Justiça ambiental e águas subterrâneas: principais destaques no primeiro Seminário Eco-t com Solène Le Pape

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No dia 25 de abril de 2025, o Seminário eco-t recebeu a pesquisadora Solène Le Pape, doutoranda no BRGM UMR G-Eau (França), para apresentar sua pesquisa sobre justiça ambiental e a proteção de aquíferos estratégicos em duas regiões francesas: nas bacias de Evian e do Lez. A atividade, organizada pelo eco-t (UFABC campus São Bernardo do Campo), propôs uma reflexão crítica sobre como as soluções baseadas na natureza (SbN) podem (ou não) contribuir para a justiça socioambiental no contexto da gestão das águas subterrâneas. Adicionalmente, apontou que as políticas de proteção de água e biodiversidade muitas vezes não conseguem reduzir desigualdades e muitas vezes as reforçam.

Solène partiu da análise comparativa entre dois estudos de caso que compartilham características importantes: são áreas de recarga de aquíferos de relevância estratégica, com pressões urbanas e agrícolas sobre o solo e recursos hídricos, mas com formas distintas de governança e articulação entre atores. A partir de 17 entrevistas com diferentes agentes (governamentais, produtores, empresas e associações), análises documentais e bibliográficas, a pesquisadora traçou conexões entre o uso do solo, políticas de conservação em áreas de recarga de aquíferos e os serviços ecossistêmicos prestados nessas regiões. 

Na bacia de Evian, onde atua a empresa Danone , a água mineral é um dos principais bem produzidos. A região combina atividades agropecuárias (especialmente leite e queijo), áreas protegidas e sofre forte pressão urbana. A governança se dá por meio de uma associação público-privada – SAEME voltada à proteção da água subterrânea. Já no caso do Lez, cuja água abastece mais de 365 mil pessoas na cidade de Montpellier, a configuração é diferente: ali, há vinicultura, criação de gado leiteiro, biodiversidade protegida pela designação “Natura 2000” e uma governança mais fragmentada, entre quatro instituições públicas.

A multissetorialidade das SbNs — que atravessa setores como agricultura, urbanismo, meio ambiente e abastecimento — demanda articulação entre diferentes atores institucionais e sociais, condição nem sempre garantida nos processos de governança. A pesquisadora Solène Le Pape explorou três tipos de SbNs aplicadas nos territórios estudados: (1) práticas agroecológicas para reduzir o uso de insumos químicos, (2) infraestrutura verde e zonas tampão, e (3) manutenção de praderas seminaturais. No entanto, o que parece inicialmente uma oportunidade de conservação pode revelar esforços desiguais entre agricultores e territórios, o que Solène analisa à luz do marco da justiça ambiental – entendida em três dimensões interdependentes: distributiva, participativa e de reconhecimento.

As SbNs aplicadas à gestão das águas subterrâneas enfrentam uma série de desafios estruturais que envolvem tanto características ambientais quanto sociopolíticas. Primeiramente, o ciclo hidrogeológico das águas subterrâneas é amplo e de longo prazo, o que dificulta a percepção imediata dos efeitos das intervenções. Além disso, há interações complexas entre o uso do solo — agrícola, urbano, natural ou periurbano — e os processos de recarga aquífera, exigindo abordagens integradas. A invisibilidade física das águas subterrâneas também contribui para sua desvalorização na formulação de políticas públicas e na percepção social. Soma-se a isso uma acentuada desigualdade espacial, já que nem todos os territórios apresentam as mesmas condições de recarga ou acesso ao recurso.

A formação de associações de produtores, como no caso de Evian (que reúne a empresa produtora e municípios) e da bacia do Lez (com associação entre municípios voltada à proteção da água superficial), demonstra que, longe de um embate entre conservação e produção, há uma convergência prática entre os interesses de proteção do recurso hídrico e a continuidade das atividades agropecuárias. Nessas experiências, a escassez ou importância estratégica da água se transforma em um motor para o engajamento da indústria e dos agricultores na adoção de práticas sustentáveis e na articulação territorial em prol da governança hídrica.

O debate contou com perguntas e reflexões importantes do público. Discutiu-se, por exemplo, o papel das políticas públicas francesas na institucionalização das SbNs (ainda bastante setorial entre agricultura e biodiversidade), a relação com o histórico de justiça ambiental como campo de estudo e prática e a importância de debater as fronteiras entre os esforços ambientais e as formas de desigualdade social, como defendido por autores como Caudau e Gassiat (2021).

A pesquisa apresentada se insere no projeto BIOdiversidade e proteção de ecossistemas a partir da JUSTiça Ambiental – BioJust, que busca compreender os impactos e desafios da governança híbrida de recursos naturais frente aos objetivos de justiça ambiental. O trabalho de Solène reforça a necessidade de conectar teoria e prática, mostrando que soluções ecológicas só serão realmente justas se forem também socialmente sensíveis e democraticamente construídas.